Bate-Papo FGV | 30 dias do Governo Bolsonaro, com Carlos Pereira

Se o governo não abrir o olho muito rapidamente e ver a importância de ter uma base sólida, o governo perde a capacidade de estabelecer os termos da negociação e as negociações vão se tornar cada vez mais caras, cada vez mais difíceis para o governo. A própria solvência do governo se torna questionável. Carlos, como cientista político, como é que você analisa esse início do governo Bolsonaro? Bom, o governo vive um problema natural dos presidencialismos, não só brasileiro, mas de todo o presidencialismo que é, especialmente, quando uma nova elite política chega no poder substituindo uma antiga elite. Essa nova elite chega com muita vontade, com uma avolição muito grande, com um voluntarismo muito grande, mas com uma expertise muito baixa, com experiência muito baixa. O paradoxo do presidencialismo é justamente esse porque ao tempo que o tempo passa, o governo vai adquirindo experiência, mas em função dos erros cometidos, bater cabeça, fogo amigo, embates entre qual grupo do governo vai dar as cartas. Esse processo, o governo vai ganhando experiência, mas vai perdendo capital político. Então, eu acho que o governo Bolsonaro vive esse paradoxo. O que me surpreende no início do governo, é uma série de eventos ocorreram que tem o potencial de fragilizar muito rapidamente o governo Bolsonaro, especialmente, porque o governo decidiu de forma equivocada, a meu ver, montar uma coalizão minoritária dentro do congresso e ignorar as lideranças partidárias na montagem desse governo. Eu lembro, Mariana, que é fundamental ter uma maioria estável dentro do congresso não apenas para você aprovar o que quer, mas pra você vetar o que não quer. Se o governo não abrir o olho, muito rapidamente, e ver a importância de ter base sólida de sustentação política dentro do congresso, esse poder de barganha pode passar para a mão das lideranças e aí o governo perde a capacidade de estabelecer os termos da negociação e as negociações vão se tornar cada vez mais caras, cada vez mais difíceis para o governo e a própria solvência do governo se torna questionável. Quais as consequências dessas ausências de coalizões? O governo fez um diagnóstico durante a campanha de associar o presidencialismo de coalizão a corrupção. Ao fazer isso, uma vez governo, ele não conseguiu se distanciar desse discurso, aprisionou as próprias mãos e continuou como se estivesse no palanque fazendo esse tipo de discurso e prometendo uma política nova. A meu ver, o governo esperava desenvolver conexões diretas com a sociedade especialmente com seus eleitores e essas conexões diretas com a sociedade pressionarem o congresso e o congresso sentir de forma vulnerável a votar as iniciativas favoráveis ao presidente. Só que, logo no início, o governo foi tomado por um escândalo de corrupção, envolvendo o seu filho, o Flávio Bolsonaro. Isso torna muito vulnerável o presidente porque os autores que trabalham com essa estratégia de Going Public, argumentam que essa estratégia gera benefícios para o presidente, sucesso legislativo para o presidente apenas no curto prazo. Ao longo prazo, você vai criando animosidades com essas lideranças que se sentem ignoradas, só que como o governo deu motivo, ou seja, se criou uma situação muito esquisita muito mal explicada ainda, do envolvimento do filho do presidente, senador eleito, Flávio Bolsonaro, nesse escândalo, vai ficar muito difícil o governo se separar deste evento. Dentre as cem prioridades que ele elegeu, mais ou menos, na metade de janeiro, não estava a reforma da previdência e ela é umas das mais urgentes no país, neste momento. Sem sombra de dúvida porque eu acho que, como eu falei inicialmente, o governo está padecendo da inexperiência e parece que esse governo não conseguiu aproveitar a transição do período do governo Temer para o início do governo Bolsonaro e, de fato, ter um diálogo aberto com a sociedade, com propostas concretas. Até agora, a gente não sabe, de fato, quais são os termos da reforma da previdência do governo Bolsonaro. Então, um dia se diz uma coisa, um outro grupo fiz outra coisa, o ministro da fazenda diz uma coisa. Então, essas mensagens, aparentemente contraditórias, sinalizam também que ainda não está claro quais serão os grupos nesse governo que, de fato, vão ditar o ritmo do governo. O que é também normal no presidencialismo. O que a gente pode dizer é que o governo tem dois pilares importantes que no Ministério da Justiça que é o ministro Sérgio Moro e o Paulo Guedes na Economia. Esses dois pilares geram credibilidade para o governo, são garantias por um lado que o governo não vai degringolar para um caminho iliberal em que as instituições de controle estejam preservadas que investigações mesmo contra o governo vão se desenvolver e, por outro lado, com o Paulo Guedes que a agenda, mesmo de imposição de perdas no curto prazo para setores da sociedade que, de fato, vão perder com as reformas estruturais, sejam, de fato, implementadas porque esses são os seus dois pontos de credibilidade, mas ainda o governo não conseguiu sinalizar para a sociedade ou mesmo dialogar com a sociedade qual é o conteúdo dessas reformas. Então, a sensação que eu tenho é que tem uma carta de princípios e sinalizações ainda turvas de qual caminho seguir, mas não está muito claro ainda o jogo. Para o governo seria mais sábio ter tido um diálogo mais claro com a sociedade, o presidente Bolsonaro, a despeito dele não ser uma pessoa que tem discursos muito elaborados, mas ele é uma pessoa muito carismática e ele sabe dialogar, principalmente com seus eleitores, ele poderia ter dialogado, afirmando que o sistema político brasileiro não mudou, independentemente da vontade dele de fazer uma nova política, as instituições políticas no Brasil continuam sendo o presidencialismo com multipartidarismo, hiperfragmentado, em que o partido do presidente não tem a maioria dentro do legislativo e para conseguir essa maioria é preciso negociar. É preciso estabelecer trocas. Então, ao invés de demonizar as trocas como o governo fez, era preciso estabelecer quais eram os parâmetros dessas trocas e estabelecer o que está sendo trocado e com que objetivo. Então, se isso tivesse sido feito com a sociedade, eu acho que o governo iria correr menos riscos, de toda a sorte, ia gastar menos, ia aprovar mais. Então, o governo pegou um caminho de comunicação direta com o público, continuou em campanha e agora cria um risco desnecessário. Então, eu espero que o governo reavalie o mais rápido possível e se readeque a uma realidade que para além da volição, para além da vontade do presidente querer governar diferente, as instituições não mudaram, se as instituições não mudaram, o conjunto de constrangimentos e incentivos para os atores políticos continuam os mesmos. Ele precisava, na verdade, ser mais claro quanto as intenções dele. Exatamente. Claro quanto as intenções e claro com os mecanismos de troca e com o que está sendo trocado. Vamos trocar o apoio desse partido, mas por espaços no governo e vai ser por isso em troca de tais e tais votações. Quer dizer, um discurso transparente que faz parte da democracia, isso em qualquer parlamentarismo europeu maduro, os termos de troca são claros. Então, quando você aloca um ministério para um partido que te dá sustentação, você está dando autonomia para aquele partido político implementar políticas naquele ministério na direção estabelecida naquele acordo. Então, ao invés de dizer que isso necessariamente é ruim e se afastar desse jogo, você deveria ter dialogado com a sociedade, explicado como o jogo funciona. Essa que é a minha posição. Carlos, muito obrigada pela sua presença aqui no Bate-Papo. Sempre um prazer, Mariana.

 

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